Marcia Makdisse é Diretora de Transformação na Qualirede e Embaixadora do VBHC Center Europe para o Brasil.
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Benchmarking é uma forma de comparação do desempenho de uma organização em relação às outras organizações. Posto de maneira simples, benchmarking é importante para se estabelecer um padrão em relação ao qual as organizações podem se comparar e descobrir se o desempenho em determinado indicador é excelente, apenas mediano ou fraco. No contexto da melhoria da qualidade, tal comparação permite que líderes e times assistenciais identifiquem as melhores práticas e as lacunas existentes na qualidade, nos desfechos clínicos e na experiência dos pacientes e tomem consciência do nível de desempenho possível de ser alcançado ao mesmo tempo em que aprendem com as organizações de melhor performance.
Idealmente, benchmarking deveria ser uma atividade contínua de forma a capturar as melhorias ocorridas ao longo do tempo, uma vez que as organizações estarão constantemente seguindo a diante com seus ciclos de melhoria. Deveria também ser ajustado para o perfil de risco de cada organização para que seu desempenho seja comparado ao de outras organizações que apresentem perfil similar em termos de contexto clínico e case-mix de pacientes e, finalmente, os relatórios de benchmarking deveriam permitir comparações em relação aos melhores desempenhos (top performers) e não ao “desempenho médio”. Estar na média de desempenho ou ligeiramente acima da média deveria ser um objetivo apenas inicial e não uma meta de longo prazo a ser perseguida pelas organizações. As organizações de melhor desempenhos são as que nos ensinam que sempre há espaço para melhorar.
Definindo metas
Tipicamente, as organizações de saúde definem um painel anual de indicadores de qualidade e segurança e definem metas a serem alcançadas com base em um ou mais dos seguintes: série histórica de desempenho, recomendações feitas por sociedades ou órgãos nacionais e internacionais ou em publicações feitas por instituições de referência. Apenas a minoria reporta dados brutos para registros de prática clínica que coletam e compilam dados de forma padronizada de diferentes organizações e devolvem relatórios comparativos ajustados para o perfil de risco das organizações. As principais razões para que isso incluem número limitado de plataformas de registros de prática clínica disponíveis, os custos envolvidos e a infraestrutura necessária para coletar, reportar e atuar sobre os resultados obtidos.
O case do Einstein e o Registro Action
Em 2013, quando eu ainda atuava como Gerente do Programa de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, Brasil, decidimos participar do American College of Cardiology National Cardiovascular Data Registry (NCDR ACTION Registry). Antes disso, nossa meta era manter o Tempo Porta-Balão, uma métrica-chave de desempenho para avaliar a qualidade do atendimento a pacientes com infarto do miocárdio, abaixo dos 90 minutos recomendados pelas diretrizes do American College of Cardiology/American Heart Association. O Tempo Porta-Balão mede o intervalo de tempo entre a chegada do paciente, ao setor de emergência, e a desobstrução da artéria que está provocando o infarto, na sala de hemodinâmica. Sabe-se que há uma relação direta entre o tempo até o tratamento e o dano causado ao músculo do coração (“Tempo é Músculo”). Quanto menor o tempo, melhor os resultados em termos de mortalidade e limitação do dano muscular provocado pelo infarto.
Participar no Registro Action permitiria uma comparação direta da nossa prática de forma continuada. Em outras palavras, deixaríamos de perseguir uma “meta estática” – que já inclusive havia sido alcançada – para perseguir uma “meta dinâmica” baseada em evidências de mundo real, por meio da comparação direta com mais de 1.200 organizações participantes do Registro.
Eu ainda lembro perfeitamente do choque ao receber o primeiro relatório que mostrava que os 82 minutos do Tempo Porta-Balão que havíamos alcançado, dentro da meta recomendada de 90 minutos, estava longe dos 56 minutos alcançados por outros participantes. Recuperados do choque, rapidamente começamos a atuar sobre os resultados já que organizações “top performers” nos mostravam que poderíamos fazer melhor. Começamos compartilhando os resultados com a liderança e com os times assistenciais e revisitando os processos de atendimento em busca de lacunas na assistência e oportunidades de melhoria.
Os resultados desta experiência foram recentemente publicados no International Journal for Quality in Health Care e eles são impressionantes. Um ano depois, o tempo porta-balão já estava em torno de 56 minutos e alcançou 47 minutos em 3 anos. Outros indicadores de qualidade também melhoraram como, por exemplo, a prescrição de medicações baseadas em evidência e, mais importante, a mortalidade diminuiu de 9% para 5,9%.
Lições aprendidas
Benchmarking direto e dinâmico é uma ferramenta de melhoria de qualidade poderosa mas ainda subutilizada pelas organizações de saúde. O estabelecimento de metas com base apenas em série histórica própria ou em metas estáticas recomendadas parece ter um impacto limitado na melhoria da qualidade ao longo do tempo... se você não sabe como está o desempenho das outras organizações, seu desempenho atual pode se situar em qualquer patamar entre fraco e excelente e você pode estar perdendo a oportunidade de aprender com as melhores práticas e de estimular o processo de inovação dentro de sua própria organização.